Monday, September 25, 2006

Conversas

Estávamos nas escadas, tinha de ser nas escadas, recusavas as cadeiras… Ficámos ali, com todas aquelas pessoas a tentarem roubar-me a ti, ás dúvidas que tinhas, ás perguntas que tinhas por fazer, e que te queimavam por dentro… Ficámos ali, comigo meio perdido no meio da multidão, a sofrer a tua dor, a olhar para os teus olhos, meio verdes, meio castanhos… não, mais castanhos que verdes…, a vê-los a desaparecer atrás de uma muralha aquática, quase…, e a recuperarem a força… a perguntarem o inevitável “ Porquê ?”, perdida também tu…

Já antes me tinhas dito... que não era possível, para parar de brincar e falar a sério, para não ser parvo… Disseste que fingias que acreditavas em mim, e isso chegou-me…

De volta ás escadas, ainda perdida, a tentar perceber o que eu não dizia, a quereres saber…, não, não tinhas feito nada, era apenas eu… eu, e tu tinhas que ir embora… perseguida pelos ponteiros do relógio, e um telefone que insistia, alguém que precisava de ti, naquela altura, o telefone a gritar, e os ponteiros a andar… foste… tinhas que ir…

Outro dia, outra tarde… um corredor apertado, umas cadeiras estranhas… um corredor sem luz, e umas cadeiras desconfortáveis… e nós, noutra língua, noutra língua é mais fácil sermos nós, parece… que não sentimos o que estamos a dizer, e podemos dize-lo melhor… não sei… fomos… fomos indo, naqueles sons que não nossos, palavras que não dizíamos…
…e novamente o relógio a meter-se entre nós… a devorar-nos aos dois, os ponteiros a ignorarem o que dizíamos, e a quererem avançar, avançar sempre… e nós ali, a termos que obedecer… a irmos… embora…


Nova tarde… novo local… cadeiras, outras cadeiras, desta vez o sol, e desta vez tu já não perdida… a insistires… a picares-me com os olhos, a espremer-me com palavras, até a teres, só ali, e para ti, “Desculpa…”
Ficámos, continuámos, fomos ficando… a esplanada a ficar vazia, e nós, lá, num canto longínquo, encostados ao céu… uma conversa em que por um momento, eu , disseste tu, não era eu… era um outro… lágrimas… mas ficámos… fomos ficando… até “Olhem desculpem mas isto vai fechar”, assim, sem virgulas, sem nada, a matar uma conversa que não continuámos, que não acabámos…

Pensando bem… nunca acabámos uma conversa… ficaram todas suspensas… assim… inacabadas…

4 comments:

Akasha said...

Um post que não só abusa da paciência como das reticências. Há que admirar o "quê" dos abusos. Por outra palavra, «és o Rei do Quê?»

Anonymous said...

Estou espantado, satisfeito, surpreendido, orgulhoso, pela veia artisticae conteúdos. Isto porque foi a primeira coisa que li escrita por ti. Eu só tinha escrito livros técnicos. Obrigado filho.

Anonymous said...

=)*

Isabel Paixão said...

Acredito que um dia tudo se vai resolver, uma espécie de Juízo Final, onde tudo é claro e simples. É dessa ideia que temos que tirar a força que nos faz levantar todos os dias da cama e continuar a viver, por vezes uma vida tão tola a que só apetece por um ponto final. Tem fé, em ti e nos outros, um dia ainda vais acordar de manhã sem angústia, e os problemas que eram já não o são.
Peço-te fé, compreensão, paciência e acima de tudo amizade.. Vai ficar tudo bem,... Um beijo **